segunda-feira, 27 de setembro de 2010

É interessante levitar assim

É interessante levitar assim em películas bonitas, suaves emoções, agradáveis expectativas. E escondo o que deixo para trás, pois não é algo aprazível de ser falado no momento, milady. O som do riacho, céu lilás, lençóis estendidos no varal, pisar na grama, eis os verdadeiros tesouros, minha dama! Todo o resto é resto, sem querer menosprezar sua refinada educação, sua eficaz visão racional do mundo, mas entendo que se a razão chega a ter alguma utilidade é tão somente a de ofuscar os mais profundos desejos latentes do coração. Portanto, enquanto fala sobre seus interesses, posicionamentos, não a conheço. Mas, quando, com a mão, puxa o cabelo pro outro lado do rosto, quando se enerva com minha silenciosa observação, quando reparo o quanto você olha suas unhas recém-feitas é que mais tenho contato com aquilo que você sequer algum dia conseguiu classificar: você mesma.

Respeitável mulher, pode continuar a falar sim, é bom encher esse mundo de sons. Não, não estou sendo irônica. Sim, ouvirei-a, sim, direi o que acho, porque do pouco que sei é que muitas vezes buscamos ajuda quando não conseguimos nos dar a solução que já sabemos, conhecemos. Precisamos que o outro fale, que o outro nos entenda. Se isso é fruto de baixa auto-estima ou é um subterfúgio para deslocar responsabilidade para um terceiro, não sei. Minha restrita abrangência do mundo me impede de explicar coisas que já vi acontecerem meia-dúzias de vezes. Mas não tenho pressa, não, querida, sinto-me feliz onde cá estou. Sim, aqui foi o único lugar onde sequer estive. Apenas em sonhos minha mente transita em espaços que não existem nessa realidade dimensional e preenchem minha fominha por fantasia. Ah, não está gostando para que caminho segue essa conversa? Ok,falemos do que vi ontem enquanto bebia meu café sentada no banco da varanda: Vi Sra. Hostian ruburescida descendo do carro do Dr. Peat e, antes que a julgue, lembre do difícil casamento que ela aguentou por 28 anos com Olavic.

CONTINUA.

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Cinemática

Estou farta do lirismo comedido, do lirismo bem comportado, do lirismo funcionário. Estou farta dos roteiros encaixotados, das idéias amarradas, das letras em courrier new 12. Estou farta da fôrma, da forma, de idéia sem acento, do ambiente andes dos personagens. Estou farta do herói e sua jornada, dos pontos de virada, dos atos e entreatos e seus truques baratos. Estou farta da indústria, da história sempre igual, do enredo sempre igual, da fotografia, do som, da imagem, do filme, da emoção sempre igual. Estou farto do lirismo que pára e vai averiguar no dicionário o cunho vernáculo de um vocábulo. Estou farta dos próprios vocábulos, de todos os diálogos. Estou farta da falta de sorrisos, da falta de lágrimas, da falta de silêncios e seus ruídos. Quero ouvir os ruídos! Quero ver além da tela branca, da projeção, da luz, película, negativo. Quero ver além, quero um significado, uma mudança. Quero sentir uma emoção nova. Quero ser perturbada, não agüento mais essa passividade, esse olhar de espectador distante sentado na poltrona. Sentado na poltrona do cinema, sentado na poltrona do carro, o filme ali na frente, a vida ali na frente, o guri cantando brasil,mostratuacara e pedindo um trocado na janela do carro. Quero que assassinem a mocinha no meio do filme, quero espelhos paralelos e escadas infinitas, quero um cinema francês em chamas, quero antes o lirismo dos loucos, o lirismo dos bêbados, o lirismo difícil e pungente dos bêbados, o lirismo dos clowns de Shakespeare. Quero um cinema de loucos, um cinema de bêbados, um cinema sem planilhas, um cinema que seja vida e uma vida que seja um pouquinho mais cinema. Quero me emocionar, quero uma reação de verdade quando um velho é pisoteado no meio da rua, quero sentir sentir sentir de verdade em meio a esse turbilhão de informações e de cores e de luzes e de sons que enchem o espaço mas não preenchem nem dizem nada, absolutamente nada! Quero me surpreender, quero ver as laranjas se transformarem em esferas de ouro e quero ver o guri da sinaleira não precisando cantar cazuza. Quero um cinema que se importe, que não use tanta folha pra fazer seus projetos. Quero um cinema que acredite que possa surpreender e que acredite que possa mudar esta merda toda. Quero acreditar que posso mudar esta merda toda. - Não quero mais saber do cinema que não é criação. Não quero mais saber do lirismo que não é libertação.

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

About Meaning




Vivemos tão compelidos a ter opiniões acerca de tudo que nos rodeia (e de o que nos é distante também), que deixamos de perceber o valor do ócio, do 'não fazer nada', da simples contemplação desinteressada.

Por que temos que encontrar sentido em todos estímulos a que somos submetidos? Porque é nossa obrigação classificar e catalogar o mundo que nos cerca, porque não podemos optar pelo "não-saber"?

Eu acredito num mundo mais despojado e acredito que a poluição visual e todo esse ruído das avenidas da vida fazem um mal tremendo. Eu acredito numa realidade diferente em que nos preocupamos mais com o que nos diz respeito e com o que nos concerne; em que encontramos e não criamos o sentido das coisas.

Na 8ª série, minha turma fez um quadro para a disciplina de Português. Na época, achei idiota fazer isso numa aula de Português, mas hoje entendo melhor toda a relação da linguagem e a expressão artística. Enclausuramento trata exatamente disso, do jeito que o mundo traça nosso horizonte e emoldura nosso pensar. O meio do quadro, já que pintei por último, foi alvo de muitas sugestões, e por isso foi bem pensado. É nessa mancha feia que tá a questão. Nesse nada que tá tudo.

"O que sobra das pessoas que só andam sobre os trilhos?"

A mensagem do vídeo - desprezando qualquer analogia à selvageria a priori de animais fofinhos - é exatamente essa, de que algumas coisas simplesmente não tem mensagem, não tem sentido, não tem porquê de ser.

Fica aqui meu Mestre, que me fez pensar sobre tudo isso, Alberto Caeiro com o poema XXXIX do livro "O Guardador de Rebanhos" (1911-1912).

O mistério das cousas, onde está ele?
Onde está ele que não aparece
Pelo menos a mostrar-nos que é mistério?
Que sabe o rio disso e que sabe a árvore?
E eu, que não sou mais do que eles, que sei disso?
Sempre que olho para as cousas e penso no que os homens pensam delas,
Rio como um regato que soa fresco numa pedra.

Porque o único sentido oculto das cousas
É elas não terem sentido oculto nenhum,
É mais estranho do que todas as estranhezas
E do que os sonhos de todos os poetas
E os pensamentos de todos os filósofos,
Que as cousas sejam realmente o que parecem ser
E não haja nada que compreender.

Sim, eis o que os meus sentidos aprenderam sozinhos: —
As cousas não têm significação: têm existência.
As cousas são o único sentido oculto das cousas.